Clarice Lispector

Tudo no mundo começou com um sim. Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve.

De onde no entanto até sangue arfante de tão vivo de vida poderá quem sabe escorrer e logo se coagular em cubos de geléia trêmula. Será essa história um dia meu coágulo?

Não se trata apenas de narrativa, é antes de tudo vida primária que respira, respira, respira. Material poroso, um dia viverei aqui a vida de uma molécula com seu estrondo possível de átomos.

Não notam sequer que são facilmente substituíveis e que tanto existiram como não existiriam.

conheço adjetivos esplendorosos, carnudo substantivos e verbos tão esguios que atravessam agudos o ar em vias de ação, já que palavra é ação, concordai?

Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?

Que não se esperem, então, estrelas no que se segue: nada cintilará, trata-se de matéria opaca e por sua própria natureza desprezível por todos.

Apaixonei-me subitamente por fatos sem literatura – fatos são pedras duras e agir está me interessando mais do que pensar, de fatos não há como fugir.

E também porque entendo que devo caminha passo a passo de acordo com um prazo determinado por horas: até um bicho lida com o tempo.

As coisas estavam de algum modo tão boas que podiam se tornar muito ruins porque o que amadurece plenamente pode apodrecer.